
O Caótico Cenário da Infraestrututa de Telecomunicações Urbana
Não só os postes repletos de cabos dependurados poluem as grandes cidades brasileiras, mas uma área esquecida que está embaixo dos nossos pés é um grande motivo de preocupação, pois impactam diretamente na qualidade dos serviços públicos essenciais.
O planejamento urbano de médio e longo prazo não é realizado a contento, facilitando com que algumas redes subterrâneas sejam implantadas sem a preocupação com a qualidade dos projetos e com uma vida útil tremendamente reduzida.
Além de redes implantadas sem o respeito às práticas da boa engenharia, muitas obras ocupam os escassos espaços físicos existentes, dificultando instalações futuras.
Um Frankstein urbano repleto de cicatrizes com redes subterrâneas instaladas em zonas densas, dificulta futuros avanços para a realização de manutenções e a implantação de futuras redes, impactando na qualidade de vida da sociedade, onerando sobremaneira o custo dos serviços prestados e o meio ambiente.
É sabido que cabe a União legislar sobre serviços de água, informática, energia, radiodifusão e telecomunicações (art. 22, inciso IV da Constituição da República Federativa do Brasil), e aos Estados, diretamente ou em caráter de concessão os serviços locais de gás canalizado (art. 25, § 2º da mesma Constituição Federal). Para os municípios cabe o papel de agente paralelo, cuja responsabilidade é a prestação de um serviço público que depende da rede elétrica – a iluminação pública, mas sem poder legislar sobre os demais serviços descritos acima.
Uma dúvida paira no ar quando abordamos o assunto postes e o subsolo urbano. Quem tem o poder de legislar sobre essas infraestruturas que tem apresentado enormes problemas pelo excesso de fios e cabos dependurados em postes e canalizações subterrâneas sem projetos adequados? É um assunto local ou da esfera federal?
O Art. 30 da Constituição Federal define que compete aos municípios – inciso I – legislar sobre assuntos de interesse local, citação que poderia ser utilizada para reforçar o direito das prefeituras em auxiliar a esfera federal, no controle do ordenamento do subsolo e na ocupação desordenada das redes de cabos de telecomunicações que poluem o cenário nas cidades brasileiras.
Mesmo sendo de competência da União como poder concedente, a fiscalização dos serviços de telecomunicações está sem uma gestão adequada, o que vem ao encontro com o aumento da poluição visual descontrolada com dezenas de cabos dependurados nos postes.
Necessário se faz que uma política pública municipal seja criada e seguida pelos diversos atores envolvidos, para que o reordenamento do subsolo e o uso dos postes seja respeitado, assegurando que cada empresa utilize racionalmente o espaço físico a ela dedicado.
Outro ponto vital para o sucesso da empreitada é que de alguma forma os municípios possam fiscalizar as implantações das redes, assim como os materiais que estão sendo utilizados, para que as complexas obras urbanas tenham uma longa vida útil.
Cito como exemplo os dutos de PEAD – Polietileno de Alta densidade, um dos insumos mais utilizados nos trabalhos de enterramento das redes de telecomunicações no Brasil. Por falta de orientação, diversas prestadoras de serviços adquirem os dutos de PEAD que não atendem as normas brasileiras. Produtos são adquiridos com um percentual de material reciclado acima dos valores permitidos. Um duto de PEAD certificado tem uma longa vida útil (algumas décadas), ao passo que os reciclados podem sofrer degradação em pouco tempo, o que irá acarretar novas aberturas das vias e de novas recomposições asfálticas em obras recém finalizadas.
O panorama atual é preocupante, é necessário planejar corretamente a utilização dos escassos espaços urbanos de forma competente, assim como, exigir dos atores a confecção de bons projetos, com a utilização de produtos certificados e mão de obra treinada.
O enterramento de grande volume de dutos de telecomunicações, diretamente em valas abertas não tem sentido. Este procedimento é um fator impeditivo para futuras expansões e serviços de manutenção.
Temos recomendado a utilização de mini galerias, as quais podem abrigar diversos dutos, subdutos e microdutos, facilitando futuros remanejamentos e mesmo a substituição dos citados produtos ao longo dos anos.
Mesmo com um custo financeiro maior por ocasião da implantação, as mini galerias podem propiciar uma sobrevida considerável na infraestrutura subterrânea, minimizando os custos de manutenção e preservação das vias.
A situação brasileira é sui generis com dezenas de empresas disputando os escassos espaços públicos. Da forma que está não dá para continuar. Seremos cobrados num futuro próximo pela nossa miopia em não saber planejar de forma adequada e racional a utilização desse bem finito – o subsolo urbano.
A fiscalização dos projetos deve ser exercida por quem está próximo do problema, no caso as administrações municipais, e não por organismos que gravitam em outras plagas, distantes do olho do furacão.
Algumas sugestões:
É mister que seja desenvolvido um sistema de planejamento e gestão para controle e monitoramento da utilização do subsolo urbano sob a gestão das prefeituras municipais.
Estabelecer uma legislação especial para disciplinar o uso do subsolo nas grandes cidades brasileiras.
Criar incentivos por parte do governo, universidades e agências de fomento, para o estudo e desenvolvimento de pesquisas que possam nortear a utilização correta do subsolo, com a implementação de novas tecnologias.
Instituir sistemas georeferênciados com a utilização de georadar para a investigação e mapeamento do subsolo urbano.
O cenário observado é surreal tendendo ficar pior, e antes que a situação fique insustentável é necessário uma conjugação de esforços envolvendo todos os atores, na condução de procedimentos corretos, que atendam integralmente as práticas da boa engenharia, e esta atitude deve ser seguida por todos os atores e governo, sob pena de observarmos num curto espaço de tempo, a ocorrência das tragédias anunciadas que estão ocorrendo em outras áreas em todo o país e que tem provocado perdas incalculáveis a sociedade.